«La pensée pense ce qui la dépasse infiniment»




2011-11-22

ao ar livre.


Estou presa
do quarto, da casa, da cidade
Do mundo

Estou presa
me deixe respirar
Respirar respirar respirar
Acendo um cigarro

Estou presa
por fora, por dentro
tantas portas
Abertas, me apertam

Na parede, parada
grudada
Assustada, de quê?

Estou presa
Ando depressa
fugindo
De mim.

2011-11-14

alguns trechos de leminski.

apagar-me
diluir-me
desmanchar-me
até que depois
de mim
de nós
de tudo
não reste mais
que o charme


Esta vida é uma viagem

Pena eu estar

so de passagem




2011-11-04

sem título.

Tinha muito calor. Tinha também a cara dela quente e úmida contra a sua. Tinha os lábios dela, fervendo, contra sua face. Seus olhos estavam nos cabelos dela, olhando fechados esse retrato branco. Aumentava essa impressão atordoante de estar caindo, essa impressão persistante de desmaio adiantado. Tudo irá cair: ela, você, eles, elas, eu, o cénário, a lua, o tempo. Tinha os lábios dela agora contra os seus. Finos. Doces. Depois ferozes. Tinha aquele barulho ambiente. Aquela música eletrônica insuportável e muito forte. Tinha aquelas luzes azuis, vermelhas, amarelas saindo do ar como laseres agressivos. Tinha também a pele doce da cara dela e sua forma delicada. Se instalava, perniciosamente, subtilmente, exuberantemente, o paradoxo. A língua dela e a sua foram se encontrando, no recôncavo daquele bar. Tinha também seus dentes. Fluorescentes. Uma ou duas risadas.

Tinha os seios dela. Imensos. Perfeitos. Tinha a redondeza deles sob seu peito, sob suas mãos. Tinha o mamilo dela na sua boca. A pele dela doce flutuando como água se espalhando no seu corpo, resfriando-lo suavemente. Tinha um desejo ardente, e por enquanto um frio invasivo, arrepiando inteiramente como se o seu sistema nervoso tivesse substituído cada outro sistema existente. Social. Religioso. Moral. Mental. Estremeçeu de temor, na antecipação duma realidade que não poderá coexistir com A realidade. A realidade Única. O quê que a gente vê no espelho enquanto olha é uma imagem parada do Mesmo? Agora tinha neste mesmo espelho muitos fragmentos formando uma identidade sempre à deriva. Tinha esta vontade de se formar de tantos pedaços despedaçados pela esta mesma vontade. Vontade de ficar engolido pelo sexo dela. Engolido pela realidade. Pelo menos pela uma delas que não seja materializável.

O horrível e o mais belo se misturavam numa canção dissonante, esdrúxula, intensificando o prazer, um remix de Madona ou algo assim. Algo grosso. Algo grosso como seu membro erguendo-se nas calças, que você não pôde mais esconder. E nem quis mais esconder. Queria era é mesmo mostrar para ela, exibir a sua identidade maior, sua virilidade em forma de pinto grosso e duro. Em forma de ponte. Tinha este desejo crescente de atingi-la pela ponte, até chegar no porto seguro, na entrada da sua terra misteriosa. Queria era é mesmo a possuir, pisar nela, furar o terreno novo com uma bandeira enterrada no chão, com cruz cravada no sexo dela. Mas o poder dela era maior, enfeitiçando, hipnotizando, controlando cada um dos seus gestos. Impotente se tornou a sua virilidade e a ponte quebrou numa lagoa.

Tinha essa empolgação incontrolável de querer transgredir as regras. Quais? Todas. Transgredir qualquer código moral, qualquer lei, transgredir tudo o que seja humano. Se virar do lado animal, do lado escuro, do lado sujo, do lado da outra face do Mundo que se alcança apenas no sonho... O lado cruel e por isso verdadeiro. O lado avesso e entretanto é tão fácil deixar-se flutuar nesta corrente. Tão fácil. É somente parar de pensar. É somente esquecer dos limites. (quem falou que tem limites..?)

Transgredir todas as regras. Deitar com a sua mãe, deitar com Iemanjá, a mãe de todos os mares, e, neste movimento trágico dos sexos se tocando, dos corpos se quebrando, dos olhos se rompendo, se sentir protegido. Protegido do vento e das tempestades. Protegido na cadeia, prisioneiro consentidor dos abismos duma matriz marítima. Voltando a ser criança.

Tinha muito calor. Tinha aquela porta se abrindo e se fechando ao passar da gente nos banheiros do bar. A boca dela cheia de algas, cheia de saliva, cheia de dentes (podia ser esperando a morte chegar). A boca dela, em forma de peixe. Devorando você, sem se preocupar dos olhares curiosos piscando, abrindo, fechando, a porta quebrada. A língua dela trilhando como na selva, mergulhando no seu sexo querendo pegar seu cheiro de lagoinha. Lembre? «A ponte quebrou numa lagoa». Quem disse que você era homem, ou que for mulher, tudo isso some enquanto você parar de pensar. Quando você começar esquecer dos limites, perderá o seu funcionamento humano, ou, quero dizer, institucionalizado. Você poderá então se tornar ponte, lagoa, rapaz, menina, porco ou cabra. A Iemanjá aceita qualquer dom, qualquer oblação, presente, relíquia, sacrifício. A fome dela é daquelas que não conhece limites.

Tinha agora o sexo dela contra o seu, balançando tranquilamente, os dois se esfregando com mais impulso e rapidez, como duas conchas abertas fazendo o comércio de pérolas, negociando o preço nunca querendo vender, apenas se desvelando no vai e vem da conversa. O sexo dela era livre, se despejou como rio juntando com o oceano, numa queda natural, voltando para centro da terra, alimentando a seca. A chuva dela surpreendeu você, e lhe agradou estranhamente, quando derramou ao longo de suas pernas o pranto de São Pedro.

Tinha os dedos dela. Tentando forjar uma entrada em você, se multiplicando, se dividindo, se movendo, se desdobrando, procurando, com fervor, a fonte do seu prazer. Tinha os olhos dela também, que nunca deixaram de olhar os seus, mesmo escavando sua intimidade com um, depois dois, dedos. Tinha a voz dela, suspirando, gemendo, repetindo, o seu nome, seu nome, seu nome. Até não ter mais nome. Até não lhe pertencer mais nada.

Tinha também os seus dedos. Tentando manipular o sexo dela, tocar nele, primeiro desafinadamente, depois com mais agilidade, como se fosse o seu. Ousará entrar na profundeza do sexo dela ou ficará na beira, na margem, no limite, vendo apenas os pelos marrons acima do monte? Deixará o medo impedir a tentação? Pegará o risco enorme de entrar sem mais poder sair...? (você vai me dizer pois eu não sei o que acontecerá.. mas esta tensão esta me matando...esta tenso também?)

Ela ficou gozando. Gozando. Gozando. Várias vezes. Com tanta liberdade e naturalidade.

Tinha muito calor. Tinha muito medo. Muito sexo. Muita bagunça. Muita luz. Muitos sexos.

Depois... Acalmia.

Você ficará no barquinho vermelho no largo do porto da Barra. Sonhando. Se tocando esporadicamente até gozar, gozar, gozar. Até ficar feliz. Até perder a vergonha. Até sentir a vergonha de volta. Como uma pancada forte na cara junto com o vento. Até não querer mais sofrer do pecado. Até querer morrer. Até começar de novo. Se tocar novamente. Até o pôr do sol.

Até o sol se pôr.

Até... Nada.