«La pensée pense ce qui la dépasse infiniment»




2012-07-24

rê-ver


Vontade irracional de rever você.  «Rêver» de sonhar em francês... 
Já, sem querer-querendo, minha língua se mistura com a sua, incessantemente,
num «turbilhão de pensamentos», numa onda-sensitiva fora da palavra.

Minha língua que valsa-vira-vadia com a sua, veemente,  jamais presa na minha boca. 
Me castiga.  Me agrada.  Me alimenta.
Língua torta. Língua portuguesa, brasileira, feminina, mutante.
Língua clara, nítida, na distância.
Língua linda que gira-sol e me leva perpetuamente no seu lar epicêntrico-epifánico-epidérmico. 
Sua pele.  Eu quero lambê-la, lambê-la, com minha língua, até sua pele se tornar viscosa, úmida, lama... até, depois de tocar, entrar.

Túnel tenebroso do inconsciente que me traz, na ponta dos dedos, na febrilidade dos poros, nas curvas dos nervos, a ternura cruel do seu corpo.

Desejo-Nojo que invade, gritante, meu peito, meu sexo, meu ventre. Desejo-Fogo que acende minha escuridão. Desejo-Sonho sendo Realidade.                                                                         Saudade.

Vontade irracional de rever você.  Acontece toda noite, esmaece um pouco de dia, apenas para viver.  Vaporosa fumaça.  Bruxaria.

Eu sinto você, eu ressinto você, eu respiro você.  Você esta longe-perto, perto, perto.  De mim. Mimetismo. Eu me vejo.
Enfeitada, saciada, lua-cheia, de você.   Eu te vejo, frágil, do meu lado, estamos.                 Somos.                          
                                                                     Em equilíbrio.

Numa mesma linha de horizonte, uma corda, suspensa no ar e ancorada no alto-chão. Funâmbulas-Sonâmbulas.
                                                                     Em equilíbrio.

Olhando na mesma direção.                                                                                         Para não cair.     

Eu te toco.  Profundamente.  Eu arrisco um, dois, três dedos, no seu sexo de criatura do pântano. Você tem mil cílios e seu sexo é uma gruta sem paredes.
Você me olha e eu te olho, e não temos mais medo do que não podemos encontrar. Encontramos. Encontramo-nos.
Pela primeira vez, eu consigo chegar sem você ter fugido, eu consigo tocar sem ter desmaiado, eu consigo olhar sem ter morrido.                                                                                                   E você fica.
                                                                   Ao meu lado. 

Eu sinto, ressinto, respiro sua energia, sinto essa troca do Eu-Você-Eu e me sinto mais forte.  Acompanhada.  Cercada.  Incorporada.

Eu sinto essa conexão inexplicável entre os nossos dois seres que não romperá, conexão que esta tão tensa como aquela corda, sobre a qual estamos ajeitadas.
Nós.  Duas sombras em pleno Sol.

Eu tenho vontade de chorar.   Mas não o faço.   Você me atinge.  Você.  Que  eu  fico procurando em  vão,  você que existe mais que a  própria existência, e  por  isso  não  parece existir.  
Você A-parece.  Fantasma.  Mas não me ultrapassa, nem passa.
As vezes eu queria tanto que você sumisse mas você assoma, como, dum pôr do sol da Bahia,  a cor de rosa.   
Surpreendente.  Imprevista.  Emocionante.
Você toca em mim como batucada – cada ritmo -  cativado, tremula no meu corpo. 

Eu tenho a coragem de olhar.   Eu vejo,       eu entendo,       eu sei,      que já te encontrei.                                                                             Te encontrei há muito tempo. 
Admitir uma coisa dessas é quase proibido, e eu temo ter rompido algo, alguma lógica no mundo.                        
                                            Mais que admitir, eu declamo, mais que declamar, eu reclamo! 

Eu jà te encontrei há muito tempo e eu não quis sabê-lo, não quis sabê-lo...                               E você sabia.     Também sabia de tudo.         Desde o começo (e onde fica o começo..?)
Bruxa linda, você ficava là esperando paciente que eu soubesse, me deixando alguns sinais de fogos misteriosos, temendo, oh temendo, também, que eu soubesse. 


Eu escolhi ficar ignorante e sofrida, preferindo o suplício de não-saber   
                                                                        a grande responsabilidade e inferno de saber.

Saber é sempre uma maneira de olhar. Acima de tudo, saber é acreditar.  

Será que meu eterno ceticismo se tornou fanatismo?  
Me sinto como um cientista doido que descobre uma chave e toma consciência depois que não tem porta.   Um cientista  doido que, além disso, sabe que tem a chave e nem precisa que tenha porta para abrir. A certeza que a chave existe o sustenta.  
Estou certa que tenho a chave.  Estou alegre.  Leve.  Mesmo se a chave não serve  para nada.  O pior seria se tivesse uma porta, pois eu teria medo  de abri-la.  E  de  descobrir que não tem chave, e que a porta esta aberta!  Ou pior.  De descobrir que a chave abre uma outra porta.  Ou pior. 

De descobrir que o cientista nem existe. 

A paisagem se desfaz como sonho derrubado- vinho nos interstícios do chão. 

Quando eu paro de pensar eu sei.  Simplesmente.
Você esta comigo, e sempre estará, pois nosso encontro ocorreu antes de ter ocorrido, pois nosso encontro acontece a cada dia, se repete,  repete,  repete,  diferentemente e indiferentemente do Tempo.  
Nosso encontro tem como horizonte os nossos dois corpos deitados juntos na Eternidade,                                                     e como direção a volta do hoje sobre ele mesmo.

Nos temos agora uma atualidade sem esperança.  Não duvido, nem espero mais.                  Eu sei                                         --sensação mais radical do não saber- -

Saber talvez seja um excesso de ceticismo...

Não posso mais negar pois esgotei minha faculdade de negar, negar, o que sempre era ou não. Não posso mais desconfiar, pois minha desconfiança desconfiou.

Escolho agora acreditar.  Para variar?  Para sair do tédio?  Para me salvar?  Não... não tenho coragem.  Eu tenho a vontade.

Vontade de rever você.  «Rêver» toujours.  Para, um momento, um curto espaço de tempo, um segundo, um eclipse... até uma elipse, saber. 

2012-07-04

porque...

... porque meu desejo para você não tem limites, nem nome, nem interesse, outro que ser acariciado pelo desejo seu, e que os nossos dois desejos unidos se emaranham ao som da chuva que cai sobre a terra, intensivamente, cai e deixe sobre nossas peles gotas translúcidas que têm gosto amargo de sal e de trovão, gosto molhado e atordoante de você... Quero amarrar me no seu corpo, seu corpo preso nas ondas perigosas do mar, no meio da tempestade, na chuva, e quero te penetrar com um, dois dedos, um, dois segredos, um, dois, sonetos. Marinheiro desesperado das profundezas, eu espero e vigio, teu cheiro... amante desvairado, errante, eu espero seu regresso, doce remédio, para meu coração enfadado e ingénuo. Eu quero você em cima da mesa. Eu quero te tocar com o sexo, as mãos, a boca, a língua, com a poesia linda que me habita, que você me inspira. Minha Musa. Minha flor. Meu amor. Minha dor.

2012-05-17

o tempo...


... se conta apenas em quantidade atmosférica de mistérios
«Nas curvas negras da forma, o mal infinito»
Francisco Brennand
Ela gostava, gostava, gostava tanto, que ficou tonta, depois com enjôo, de ficar girando, girando, girando, ao redor daquele alvo que nem queria atingir. Pois atingí-lo queria dizer também ter, e perder. E não ter significava viver. Por enquanto.  Tudo era sempre questão de preencher os intervalos da vida com algumas esperanças irrazoaveis, ou improváveis.  Ela corria a noite até o ponto onde o rio se encontrava com o mar para falar com a Dona das causas impossíveis, para adiar mais um pouco o momento de desilusão.  As vezes ela até gritava olhando pela lua, levando uma carga imensa que nem podia nomear.


Ela temia, temia, temia, mais que tudo, aquele instante que chegava, que aparecia de repente entre dois intervalos, a nota falsa (e por isso mais verdadeira que todas as anteriores..) que batia forte e dissonante para destruir aquele edifício que ela tinha construido. Edifício instável...  Ela se lembrava dos castelos de cartas que ela fabricava quando era criança na casa da avó.  Sempre botava a dama de coração là em cima, até a construção cair, e ela começava de novo com tanto prazer.  Tanto prazer.  Pegando a dama de coração na mão com tesão.  Será que crescendo, ela tinha esquecido aquele prazer de construir, com cartas diferentes, castelos cada vez maiores, com sempre, olhando pelo céu, aquela dama?  Aquela dama que não temia morrer mais uma vez. 
Agora, ela receava a morte. Tinha deixado de lado essa vontade inocente e infantil de brincar com ela.  Pois isso implicava ter que viver de novo... E a vida em si lhe era insuportável. Tudo acabia caindo, ela bem sabia disso, e tudo voava no ar como avião lotado que vai pra nunca mais voltar. Sem destino. Ela vivia por enquanto. Ela inventava.  Isso  não queria dizer que ela não saiba aproveitar da vida, pelo contrário. Essa vida (entre parênteses) pegava suas origens no lugar mais fecundo da sua imaginação, e graças à esse semente florescia idéias, desejos, esperanças se entrecruzando e indo por todas direções. Até se deslocar numa obsessão. 
 
Ela era obsessiva, mesmo ficando indecisa e hesitante. Ela possuia uma força que superava qualquer indecisão, um tipo de impulso que não parecia vir dela, e, no entanto, era  sua identidade maior. Antes de ter sido expulsa naquele deserto onde ela nunca se encontraria mais. O que se encontrava no deserto era só mera alucinação. Quando ela tinha uma visão, ela se concentrava nela.  Por enquanto. Mas as vezes o transitório parecia não querer passar.  Como uma tempestade de arreia que demorava uma eternidade, que impedia os olhos de ficar abertos e rasgava a pele. Doía.  
 
A arte lhe era importante para desviar, transformar, sublimar, a dor. Mas, dum outro lado, a arte permitia uma entrada na dor ainda mais profunda e perigosa que a própria dor. Talvez mesmo desnaturava a dor.  Por isso, a arte mais saudável e verdadeira era a própria arte de viver, que consistia em viver directamente as coisas, as dores, e as alegrias, desprendidos do eu, e sim ligados ao universo.  Quando pensava na sua dor, tinha que pensar na dor da humanidade, e não pensar, sentir, a grandeza do universo, sem sequer querer medir-se a ele, mas sabendo que ela fazia parte desse tudo-nada.  Do mesmo jeito, sua alegria não tinha limites. Mas ela seguia pensando demais, escrevendo demais, criando demais, o que nem precisava ser pensado, escrito ou criado, e, no entanto, o caminho da arte, as vezes, parecia ser o único caminho que existia.
Ela o encontrou por acaso.  Foi um encontro como todos esses encontros imprevistos que acabam nos marcando como se fosse escrito no céu.  Ela não acreditava no acaso, nem no destino.  A única crença que ela tinha era a do Mistério.  Ele sempre a guiava numa luz escura, e ela seguia sem questionar.  Quando o Mistério a chamava para dançar, todo vestido de preto, ela se deixava cair nos seus braços, aliviada.  Enfim, ela podia descansar... deixar seu corpo, seus sensos, sua alma, flutuar.  
 
Eles começaram a dançar, suavemente, embaixo duma noite que tardava a cair.  Seus gestos estavam precisos e abstractos no mesmo tempo, como se misturassem a força bruta da natureza com a aprendizagem humana e técnica.  O olhar dele era frio, exergando ela com a intensidade e humidade de uma onda. Um olhar incisivo de tubarão.  Ela se enfeitizava nesse vaivem musical à luz laranja e preta dum céu de fim de mundo.  Fechou os olhos.
Ele gostava da sua pele doce, contra a sua.  Ele acariciavá-la, enquanto dançando, à partir da raiz dos cabelos até o interior das coxas, passando pelas costas nuas, pelas ancas, delicadamente, como o vento afaga a erva.  Sua pele se erguia, se erguia, no seu tocar, mas os dedos dele ficavam precisos, seguindo o som da guitarra.  Sua pele como vestido de satim, como ondas frágeis e corajosas do mar.  Ela tremia de tanta delicadeza.  Quando ele a debruçou para trás, seu coração se apertou.  Ela abriu os olhos e sentiu a vida de volta nos seus membros.
Ela se apoderou da força da noite que tinha –enfim- caido, e não quis mais se dar para ele.  Queria que ele a deseje como impossibilidade.  Queria que ele sofra como ela tinha sofrido. Podia ser perigoso brincar com o Mistério...  De repente, os papeis mudaram como num filme onde o escritor da trama escolhe a morte em vez da vida ou vice versa.  Pois ela não sabia mais se resistir era viver ou morrer.  Ela começou violentemente a guiar a dança com os gestos dementes de um desesperado.  Ela escondeu sua angustia e sua dor e fingiu o desinteresse.  O verdadeiro desinteresse vinha de um amor puro.  Mas o seu amor para ele era feio, cheio de ciúmes, de possessividade, de desejo, de vontade de transgressão e de orgulho.  Os tambores se juntaram ao som da guitarra e batiam mais forte.  
 
Ela gostava, gostava, gostava tanto que ficou com enjôo, de ficar girando, girando, girando, ao redor daquele alvo que nem queria atingir.  Quando ele foi seduzido e quis dar tudo para ela, quando a música acabou e que o sol começou a surgir de novo atrás do amanhecer, quando ela parou, esgotada, o sopro despojado, os pés, vermelhos, doendo; quando tudo parecia ser possível…

O Mistério tinha ido embora.  
 
Sem que ela percebesse.  E ela ficou dançando na sua sombra, girando, girando, girando. Até enlouquecer. 
 
Por enquanto.

2012-02-03

oito ou oitenta.

O que não foi dito

Desmaia na penumbra

Anda de mão dada

com o silêncio


O que não foi feito

Sacude a consciência

Leva a ter

remoto remorso


O que não foi escrito

Se esquece à toa

Disco aranhado, salta,

ritmo branco


Pois se eu digo:

Foi dito, feito e escrito

Não some, soma

Aqui estou, sozinha

Terremoto de pálido silêncio


Peso vazio que treme

Derrama nas extremidades

Sempre frias


Me despenho no desaba

Na viatura pesada

De minha vida

Que não é, sim, pois, é

Uma alegria dilacerada


Uma perna por dentro

Uma perna por fora.

2012-02-01

o buraco.



Buraco grande
no meu peito
escavando
minha razão

Ilus
ão verde
no meu piscar
encaminhando
meu olhar

Buraco grande
de lembrança
cara feia
cara falsa
cara branca
cara........


ausente.



que, impessoalmente,

n
ão sai de mim, não sai...